do privilégio de ver


Já falei aqui uma vez sobre a televisão e a realidade. De se poder ver coisas na televisão que não se podem ver na realidade, mesmo que se esteja ao pé delas. VER é um privilégio.

Desde há muito tempo que os castelos são construídos nos altos dos sítios. E, mesmo agora que perderam a sua função protectora, as pessoas vão lá acima para VER os arredores. E sobem a torres e compram casas com vista para aqui e para ali. O tamanho das janelas mostra a diferença entre um prédio de habitação social e de um de luxo.

Os bilhetes no teatro, futebol e outros espectáculos são, claro tanto mais baratos quanto pior se vê. E etecetera.

Assim era até aparecer o cinema e a televisão. Em que tudo é mostrado a toda a gente, do mesmo ponto de vista. Aliás: do MELHOR ponto de vista. O da câmara. E então as pessoas passaram a ver tudo: as emoções das princesas em grande plano, vistas de satélite, pisaram a Lua, desceram aos Oceanos, foram ao antigo Egipto, afundaram-se com o Titanic, viram mil maneiras de fazer amor, aprenderam a fumar e a beijar e tantas outras coisas.

Uma pessoa fica de tal forma habituada a essa democracia que não percebe como é que é possível só haver um Palácio da Pena. Ainda há muitas coisas que não podemos ver, nem mesmo num ecran. Com um ecran não se pode viver no Palácio da Pena, e é bem capaz de ser o melhor sítio do mundo para se estar. Com um ecran não veríamos a vista que se terá de lá.

Nada está democratizado, embora a câmara de filmar às vezes dê essa impressão. Mas não é mau. Afinal quase podemos ser todos um bocadinho kings of the world. Pelo menos podemos imaginar melhor como seria.